sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

A VELHINHA DE ITAJAÍ

Quem será que cria aquelas propagandas de lojas de varejo que infestam a televisão?
Aquelas coisas tipo Casas Bahia, Lojas Marabras, LojasMariza e outras que ocupam um espaço publicitário gigantesco com tanto mau gosto?
É sempre a mesma coisa: um sujeito pretensamente simpáticoou um casal jovem e risonho falando alto e rápido sobre as maravilhas daquele jogo de sofá que só amanhã você pode comprar em cento e trintae duas parcelas de oito reais e oitenta centavos...
Busquei na memória e vi que sempre foi assim.
Os mais antigos lembrarão da quinzena de tapetes do Mappin.
Dos ternos da Ducal.
Das LojasBrasil, onde "você leva o Brasilino de presente"... (Aliás, há anos tento encontrar um boneco do Brasilino pra comprar e não acho. Você sabe onde tem?)
Pois no final de 2008 durante um telejornal assisti chocado às imagens das inundações em Santa Catarina.
Uma tragédia imensa e - como amaioria das tragédias brasileiras - previsível.
Pessoas perdendo parentes, perdendo casas, perdendo tudo...
Uma das cenas, em Itajaí,mostrava uma velhinha voltando para casa e vendo seus móveis, televisão, geladeira, tudo destruído.
A expressão daquela senhora tinha a dorda desesperança que só as tragédias conseguem forjar.
Doeu em mim.
A última imagem mostrou-a desolada, olhando seu jogo de sofás, que eladizia que tinha acabado de comprar, coberto de barro.
Destruído.
Pausa para o comercial.
Casas Bahia.
Um sujeito histriônico, de paletó vermelho, cabelo e sobrancelhas pintadas, rosto de plástico, falando alto, quase perdendo o fôlego e mostrando as ofertas imperdíveis enquanto ao fundo uma horda de consumidores fingia comprar tudo que podia.
Entre as ofertas imperdíveis, um conjunto de sofás parecido com o da velhinha de Itajaí...
Em seguida vem o anúncio do automóvel que eu tenho que comprar.
E depois do celular que vai resolver todos os meus problemas.
Então vem aquele banco que é o melhor lugar do mundo.
Todos repletos de mulheres maravilhosas, homens jovens e sorridentes, crianças inteligentes e velhinhos pensando que têm trinta anos de idade.
Uma maravilha.
Volta o noticiário.
Gente morrendo na troca de tiros durante a invasão do morro no Rio de Janeiro.
E agora ao vivo a repórter trazendo as últimas da inundação.
Dó...Num instante estou no mundo real, entre tragédias e tiroteios, dor e sofrimento, refletindo sobre como tenho sorte em ser quem sou, moraronde moro e trabalhar onde trabalho.
No instante seguinte sou jogado para outro mundo, onde passo a refletir sobre como é pouco o que tenho,como eu poderia ser melhor se comprasse aquela roupa, aquele carro, aquele celular.
Então outra vez o mundo perigoso.
E depois o mundo doglamour...
E assim vai.
Viajo sem parar entre dois mundos antagônicos, um renegando o outro.
Vou dormir com a mente confusa.
Não sei qualdos dois mundos venceu o "round" de hoje.
E amanhã de manhã vai começar tudo outra vez: a velhinha perdendo o sofá e o moço vendendo um sofá.
Aqueles dois mundos antagônicos são representações do mundo real.
Cada uma com um ponto de vista, um filtro, uma lente.
O mundo dosnoticiários quer nossa atenção, nos segurar até a chegada do mundo dos comerciais, que pretende que compremos!
E os editores usarão de todosos recursos de drama, imagens, sons e edição para nos conquistar... No vaivém entre os dois mundos estão nossas escolhas.
O que fazer com osestímulos que recebemos de cada um deles?
Provavelmente arregalar os olhos diante das tragédias e voltar ao trabalho pra poder ir às compras.É essa a rotina de nossas vidas, não é?
Mas tudo bem...
Quem sabe alguém decide comprar nas Casas Bahia um sofá novo pra velhinha de Itajaí.
Luciano Pires

Nenhum comentário: